sexta-feira, julho 21, 2006

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa

terça-feira, julho 18, 2006

Andarilho

Vou fugir.
Vou fugir de mim, vou fugir de ti, vou fugir do amor.
Mas, para onde irei eu?

Para as profundezas do mar?
Para as mais altas montanhas?
Para o mais longínquo deserto?

Vou fugir de mim.
Vou voltar para o lugar de onde nunca deveria ter saido.
Voltarei para a masmorra da solidão.

Vou fugir de mim.
Vou fugir de ti.
Vou fugir do amor, do amor.

Patrícia Prado

Decisão

Não ofusque a minha luz.
Não apague em mim a vontade de viver.
Não faças isso.

Não prometas o que não podes oferecer,
O que não tens.

Não me pare, sigua o seu caminho.
Não cruze novamente o meu, vá.
Se vá. Vá...

Patrícia Prado

segunda-feira, julho 17, 2006

Instante

O que acontece nesse instante?
Paro, escrevo,penso.
O que acontece nesse instante?
Em que todo meu ser converge
Para a criação de uma metáfora
Que tem rima e som
Para a transformação das palavras
Em forma em vida.

O que acontece nesse instante?
Mágico, único...
Tão finito quanto o tempo
Para os reles mortais
Que tentam o controlar pelas batidas
Cruéis dos sinos...

O que acontece nesse instante?
Tudo...Nada...
É o que acontece nesse instante

Patrícia Prado

quarta-feira, julho 12, 2006

Estou cansada.
Estou farta.
De conjugar o verbo cogito.
De pensar e pensar e pensar...

Descartes sabia do que estava falando?
Se penso, logo existo?
E se não penso, passo a não existir?


Engano.
Puro engano.
Engano.

Patrícia Prado

Mais uma vez...

Mais uma vez aqui.
E o que acontece nesse instante
único, presente, vivente?

Mais uma vez aqui.
Como das outras vezes
Como das inúmeras vezes, aqui.

Até quando?
Perdurará para sempre?

Mais uma vez aqui.

Patrícia Prado

sexta-feira, julho 07, 2006

Quem é você?
Que surge em meio aos meus devaneios?
Um anjo? Um demônio?
Ou um homem que veio para libertar-me
das amarras da ilusão?

Quem é você?
Eu ainda não sei...
Mas espero.
E sei que o tempo me dirá
Quem é você

Patrícia Prado

quinta-feira, julho 06, 2006

Odisséia

Por mares e vales sobrevoa meu coração
Como navegador em busca de um destino
Guio-me pelas rotas incertas da indecisão

Um porto procuro onde possa estar, onde possa ficar
Um lugar tranqüilo pretendo encontrar
Para onde vou, ainda não sei
Pois todos os caminhos são certos e incertos ao mesmo tempo

Somente o tempo poderá dizer qual a rota devo seguir
Quando? Quando assim ele o quiser dizer.

Patrícia Prado
Tudo o que nos incomoda nos permite definirmos
a nós mesmos. Sem indisposição não há identidade:
ventura e desventura de um organismo consciente.

Cioran
Ese maldito yo
Se a intolerância é tão natural quanto a agressividade,
o altruísmo é um narcisismo "em espelho.
Não podemos atentar contra a imagem do outro
porque nos formamos com ela,
somos obrigados a tolerar a alteridade.
Françoise Coblence
Ditadura da razão?

O inferno é o outro - Sartre

quarta-feira, julho 05, 2006

Tempo inexistente

O tempo presente é o único tempo existente.
O passado já não é e o futuro, uma possibilidade.
Mas se o presente reflete-se no tempo existente
Ele se faz na junção entre passado e futuro
E o que deveria ser acaba não sendo.

O presente se perde no tempo existente
O que é deixa de ser
Nas eternas reminiscências
Lança sorte sobre o que virá

E o que era para ser presente
Tornam-se eternas lembranças
Que fundamentam as causas e efeitos da vida.

Patrícia Prado