Quando se fala em autoridade logo pensa-se em poder. Segundo Bueno (1987) autoridade é a “influência, prestígio; magistrado que exerce poder; agente ou delegado do poder público; pessoa que tem competência num assunto”.
Se para os estudiosos da língua autoridade está ligada ao poder, para a filosofia ter autoridade não é o mesmo que ter poder .Cum potestas in populo auctoritas in senatu sit – “enquanto o poder reside no povo, a autoridade repousa no Senado” dizia Cícero (De Legibus, 3 12, 38 In ARENDT, HANNAH ).
A análise dessa afirmativa leva a conclusão de que, o poder a qual se referia Cicero é o poder ligado a ação, e autoridade refere-se a “fazer aumentar” significado primeiro da palavra ‘auctoritas” derivada do verbo augere
Pensando sobre a autoridade a partir do trabalho de Hannah Arendt em seu livro Entre o passado e o futuro infere-se que o mundo moderno está a viver uma crise de autoridade.
Em uma análise sistemática sobre o tema, que começa na Roma antiga, berço do conceito, Arendt (2001) conclui que as várias Revoluções que ocorrem no século XX são as responsáveis pelas rupturas na tríade que sustentava a autoridade: a tradição, a religião e a própria autoridade como forma de expansão.
Partindo do conceito de autoridade para os romanos, esse a tinha como “um aumento” que encontrava-se ligado a expansão territorial. Logo, poder e autoridade eram coisas distintas no pensamento latino antigo.
A garantia da preservação da autoridade estava no uso coercitivo. Palavras ou atos eram utilizados na manutenção dessa. Sobre a violência como aparelho de repressão Arendt (2001) diz que “a autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção. Onde a força é usada, a autoridade em si mesmo fracassou”.
Mas o que a história da humanidade relata é que o uso da força sempre foi utilizado como um escudo que assegurava a continuidade de uma entidade que possuía a autoridade.
É interessante o fato de que a autoridade em si não possui poder. O poder pertence ao povo Cum potestas in populo auctoritas in senatu sit – “enquanto o poder reside no povo, a autoridade repousa no Senado” dizia Cícero (De Legibus, 3 12, 38 In ARENDT, HANNAH).
Sendo assim, a autoridade somente existe quando é legitimada por aqueles que possuem o poder, o povo. Na Roma antiga, “aqueles que eram dotados de autoridade eram os anciãos, o Senado ou os patres os quais a obtinham por descendência e transmissão. Por transmissão entende-se ser a tradição. Tradição essa que estava ligada ao pensamento atemporal das coisas “uma vez fundada, ela permanece obrigatória para todas as gerações (Arendt, 2001).
Segundo Arendt, “o caráter autoritário do “acréscimo” dos anciãos repousa em sua natureza de mero conselho, prescindindo, seja de forma de ordem, seja de coerção externa para fazer-se escutado.
Há uma necessidade de ser guiado por uma autoridade. Mesmo sendo o “guardião do poder” os homens querem uma autoridade sobre sua vida. Uma transferência de responsabilidade. Pergunta-se : O desejo pela liberdade é sucumbido pelo não saber guiar-se? A autoridade é mais importante que a liberdade?
Desde os primórdios dos tempos os homens buscam por algo que possam ter como exemplo de conduta. Divindades, governos, diversas formas de potestades surgiram no imaginário e na vida dos homens as quais foram delegadas autoridades a fim de dirigir e controlar suas escolhas, suas vidas.
E assim uma ordem hierárquica fez-se surgir na construção de uma sociedade que se sustentava em autoridade.
Se outrora o homem delegava, através de seu poder de decisão, a autoridade a alguem ou a uma instituição na contemporaneidade vivencia-se uma crise de paradigmas. A autoridade delegada investe-se de poder. Poder usurpado de uma massa que deixou-se seduzir pelo pensamento dominante.
A história do homem é uma história de luta pelo poder. Para Kant “ a posse do poder corrompe o livre juízo da razão” (Arendt, 2001). Se a autoridade antes era legitimada pelos que detinham o poder, em um tempo posterior essa mesma autoridade foi violentamente conquistada. E nessa luta perdeu-se o seu significado, sua essência.
Pode-se inferir que tal fato surge quando a tradição perde seu significado. A tríade que sustentava o pensamento sobre a autoridade rui e assim começam a surgir novas formas de controle da autoridade. A dicotomia entre o bios politikós e o bios theoretikós que o pensamento Socrático tentava impedir, passa é ser o conceito que guia a autoridade. Prática e ação são distintas nos discursos. Maquiavel compreendeu isso em seu tempo, mas os que detinham o poder não o quiseram ouvir. Seu discurso era duro demais, nunca os fins podem justificar os meios!
Alice no país das maravilhas, esse é o lugar onde se encontra o homem. Sonhador de um bem comum bem esquematizados nas Constituições embriaga-se dia após dia com o vinho servido pela famigerada elite, droga-se com o ópio das falidas religiões.
Alienado dentro de uma Matrix assiste todos os dias seu corpo ser domesticado pelas ciências positivistas. Um legado perpetuado pelas escolas públicas, dádivas dos amados goverantes, eleitos e escolhidos pelos detentores do poder.
Enquanto ocorre o seqüestro do carbono na Amazônia, em milhares de escolas, do Oiapoque ao Chuí crianças são programadas para serem os futuros homens e mulheres que sustentarão o sistema. Mas isso não é bom? Não é bom termos pão e circo? Não é bom ser conhecidos como o povo hexa campeão? Não é bom ter uma autoridade constituída pelo povo, vinda do povo?
Platão idealizava um mundo governado pelos filósofos.Para ele “o domínio do filosofo não se caracteriza pela comtemplação e sim pela fala e ação.
A fala. Discurso criador. O logos. A palavra. Através dessa ação racional todas as coisas que existem se formaram. Para os cristãos, pela ação da Palavra de Deus todas as coisas foram criadas. Palavra que possui autoridade a ponto de toda o universo se render a sua voz.
Mas o que essa reflexão teológica tem a ver com a autoridade, tema escolhido para abordagem?
Assim como o Todo Poderoso criou pelo ato da fala todas as coisas “ e haja luz e ouve luz” (Bíblia Sagrada, 1997) os homens através de seus discursos constroem ou destroem mundos.
Gandhi utilizou de seu discurso e levou toda uma nação a busca de justiça através do ato pacifista; Hitler em contrapartida, utilizou o discurso da barbárie e deixou como legado aos germanos o sangue de milhões de judeus.
E assim, as autoridades vão surgindo e os discursos se difundindo. O mundo ocidental parece ser o guardião dessa “tradição” que surgiu com os romanos.
George W. Bush é um dos grandes exemplos da contemporaneidade. Vestido com o escudo do cavaleiro do apocalipse adentra nos territórios do “mal” a fim de salvar uma nação de seu diabólico governante. Novamente não importa os meios utilizados – mesmo que esses envolva mentiras e violência.
O século presente assiste as diversas invasões – do espaço e da alma. A nova ordem elege o cidadão sem pátria, o cidadão do mundo. Sem fronteiras vive-se em uma grande aldeia global. Aumenta-se os espaços geográficos limita-se a entrada efetiva neles.
Um mundo de falácias, liderados por governos depostatas que utilizam de um discurso frágil mas convincente. Por que convence se é tão frágil? Porque o desejo pela verdade da elite ainda seduz e legitima o caminho traçado pelos que possuem a autoridade.
Dentro de uma caverna, como no mito de Platão os homens se escondem. Mesmo aprisionados pelas algemas do engano ainda assim é melhor que lutar para se libertar. A liberdade pressupõe responsabilidade e responsabilidade é um fardo. E assim, o mundo continua sua rota que é traçada pela tradição.
Até quando a tradição estará no poder? Não há ninguém ou algo que possa sair da caverna e trazer a libertação para a maioria que ainda continua nas trevas? Não existe nenhum livro onde esteja inscrito uma “poção mágica” que possa despertar do sono profundo os homens desse século? Se há, onde ele se encontra? Quem pode decifrar os códigos? Seria os professores os atuais Merlins?
Arendt diz que “os educadores governam e utilizam a educação como arma de controle”. Eis a resposta para todos os males? A escola é a responsável pelas reproduções? Se há um poder nas mãos dos mestres porque não utiliza-lo para o bem comum da nação, dos povos, da terra?
Os céticos diriam que tal afirmação é utópica, que a escola não possui tamanho poder, muito menos os transmissores do saber. Mas, como é sabido, os conhecimentos transmitidos, imbuídos de uma roupagem positivistas, tem o peso do pensamento da classe dominante. Sendo assim, é inevitável não pensar em uma escola como não sendo uma reprodutora do pensamento dominante, reprodutora da opressão, e os mestres são seus escravos.
Parafraseando Píndaro, se “a lei é o déspota dos governantes e os governantes são os escravos da lei” o conhecimento é o déspota dos mestres e os mestres são os escravos do conhecimento – conhecimento produzido pela elite.
Talvez a analise seja um tanto generalista mas como não o ser se o contexto vivenciado leva-nos a ver a grande massa sempre sendo esmagada pela pequena parcela que se julga senhora da nação?
Se a favela era o espaço da massa hoje a elite sobe o morro. Daslu e MV Bill contra o tráfico; Raissa vai a quadra e dança com as “cachorras “ do funk no horário nobre da Globo. Tudo perde o significado. È banalizado. Não se expande, perde a autoridade de ser.
Mais uma vez, pela força, pela violência se conquista a autoridade. Uma violência ora velada pela simbologia ora escancarada nas telas da TV, nas imagens dos jornais. Uma imagem parcial vendida à R$ 0,25, mas com um preço de custo altíssimo, imensurável.
Se esse é o preço a se pagar, o mundo continuará a pagar. Tudo em nome da ordem e do progresso. Tudo em nome do bem estar social, mesmo que para isso tenha que se abater árvores, tenha que se vender territórios, tenha que se acabar com os rios. Porque “não é possível fazer uma República sem matar gente” (Arendt 2001); não é possível ter autoridade sem usurpar o poder.
Patrícia Prado