sexta-feira, agosto 25, 2006

Recomeço

Depois de tantas noites sem luar,
De tantos versos tristes,
De tanta melancolia,
O Sol das Gerais ressurge em mim.

Deixo-o penetrar os recondidos da alma,
Permito-me banhar na sua luminosidade
Quero, serei, sou feliz.

Nada de passado, nada de futuro
Só o instante existe,
E a ele brindemos.

Dancemos, cantemos, alegremos
A arte de viver consiste em valorizá-lo
O instante.
Finito como uma bolha de sabão,
Infinito como a solidão.

As janelas se abrem, o sol adentra novamente.
O mofo dá lugar ao cheiro da esperança.
E o cinza de outrora se enche de lilás.

Patrícia Prado

segunda-feira, agosto 14, 2006

Partida

Há uma decisão em meu coração
E, inacreditavelmente
A razão diz sim.

Faço as malas.
Preparo-me para a viagem.
Fecho a porta.

E para trás ficam amores não resolvidos,
Falas malditas,
Memórias, muitas memórias...

A minha frente surge um caminho.
Desconhecido, instigante.
Minha bussóla é o desejo, desejo de ser.

Caminho. Caminhante sou.
Caminhante serei. Sempre. Sempre...

Patrícia Prado

terça-feira, agosto 08, 2006

Travessia

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia…e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”

Fernando Pessoa
Tenho tanto sentimento
Que e' frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheco, ao medir-me,
Que tudo isso e' pensamento,
Que nao senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar."

- Fernando Pessoa
Eu amo tudo o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.

Fernando Pessoa, 1931.
Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.

Se existo é um erro eu o saber. Se acordoParece que erro.
Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Não tenho ser nem lei.

Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações,
Coração de ninguém.

Fernando Pessoa, 6-1-1923
Eu perdi o meu coração no empoeirado caminho deste mundo;
Mas tu o tomaste em tuas mãos.
Eu buscava alegria e apenas colhi tristezas;
Mas a tristeza que me enviaste tornou-se alegria em minha vida
Os meus desejos se espalharam em mil pedaços;
Mas tu os recolheste e os reuniste em teu amor.
E enquanto eu vagava de porta em porta,
Cada passo meu estava me conduzindo ao teu portal.

Rabindranath Tagore(49, livro "Travessia")
Transpenumbra
tempestade que passasse
deixando intactas as pétalas
você passou por mim
as tuas asas abertas passou
mas sinto ainda uma dor
no ponto exato do corpo
onde tua sombra tocou
que raio de dor é essa
que quanto mais dói
mais saí sol?

Paulo Leminski

quinta-feira, agosto 03, 2006

Por que?

Por que? Por que fazes assim?
Por que?
Por que escolhestes a mim
Para viver a comédia do dia?
Por que?

Por que entre tantos seres fortes,
Entre tantos seres dispostos a jogar
Seu jogo sórdido, escolhestes a mim?
Por que?

Indagações, indagações, indagações...

Patrícia Prado

Ode a dor

A carne dilacerada
Grita pelo sangue perdido
No eterno combate
A dor.

Envolto nas mortalhas
Que a saudade teceu
Meu coração geme
A dor.

Dor pelo que foi.
Dor pelo que não foi.
Dor. Eterna dor.

E, em busca de explicações plausíveis
A razão faz seu discurso
A dor. Eterna dor.

Patrícia Prado

Espero

Flores, cheiro de morte.
A sinto, a percebo, a desejo.
A mortalha posta sobre a cama;
Entre a penumbra da alma
Se prepara o coração para recebe-la.

A morte. A senhora dos fins.

Eu a quero, eu a desejo, eu preciso...
Preciso morrer para tudo aquilo que me aprisiona.
Preciso matar todo sentimento que rouba a paz.
Preciso da morte. Da ação da morte. Preciso.

E eu a espero. Lívido, sereno.
Como alguém que está prestes a realizar os sonhos eu a espero.
Eu a espero, espero...

Patrícia Prado