domingo, dezembro 23, 2012

A partida




À porta algumas bagagens já se encontram preparadas para a partida.
O olhar turvo vê a frente o que parece ser um caminho. Mas nada definido.
Apenas algumas ideias que com o tempo tornam-se certeza de que é preciso partir.
Entre as bagagens algumas fotos amarelas pelo tempo dizem que o instante é efêmero e o que passou, passou: as fotos devem ser guardadas. O culto ao passado deve cessar.
E assim, vou partindo em uma despedida lenta e que acontece entre pausas de alegrias e nostalgia. Eu estou partindo, mas será que alguém perceberá? Você perceberá?
Será que alguém notou que as roupas foram recolhidas do varal? Que o mato que cresce entre as roseiras é um sinal de que o jardineiro fora dispensado e por isso as gramas que antes ornavam o pequeno e singelo jardim já se vão também pelo abandono? Será que ninguém viu a vidraça há dias quebrada?
O abandono; ele é um dos sinais da partida. E eu abandono aos poucos; abandono sabendo que uma vez que a porta se fechar não haverá retorno. E assim, aos poucos vou partindo, vou indo, seguindo, sem que você perceba meu adeus. 

Patrícia Prado

terça-feira, dezembro 04, 2012

No Budismo o ensino do desapego é um dos mais importantes. O desapego não é indiferença ou fuga mas uma nova forma de olhar a vida e relacionar-se com ela. Em nossa caminhada temos a tendênciaa juntar tudo que não nos é útil como palavras, medos, pensamentos. A levar consigo pessoas, situações e desejos que somados geram uma carga tão pesada que nos impede de realizar a grande ventura pela qual nos é permitida esta existência: tornar-se ser. É chegado o momento de deixar os fardos, de libertar-se dos medos e desasossegos. É chegada a hora dos desapegos desnecessários a vida.
 Patrícia Prado

"A solidão,
essa tempestade,
esse gozo às avessas,
esse jeito de eternidade
que as coisas adquirem
mesmo sendo apenas vidro.

Essas cartas ardendo
no estômago das gavetas,
essas plumas
que surgem quando se apagam
as últimas luzes do dia.
Tudo faz a noite mais longa,
visão de uma sombra
sobre um berço.
Não há resposta
e o labirinto é o falso,
os lábios são falsos,
somente abismo,
absinto verdadeiro.
O sono,
grande placa de cerâmica,
e o tempo,
demônio a ranger sobre o infinito."

Darkness - Micheliny Verunschk
"Se você não disser que me ama como saberei?"
Hoje acordei pensando em Rodin e Claudel. Hoje acordei pensando em algumas histórias vividas, alguns contos lidos, algumas falas ouvidas e tenho chegado a conclusão que muitos amores foram impedi

dos de nascer, de viver, pela ausência de uma simples declaração, de uma rendição: eu amo você. Se você não disser que me ama como saberei? Se você não verbalizar como o outro saberá? Interessante é que o que mais desejamos é amar e ser amado e só. Dúvidas? Faça um simples questionário e distribua a seus amigos depois me diga o resultado ;)
Mas nos não fomos educados para o amor...Temerosos construímos as mais altas torres e é de lá, que queremos que o outro ouça nosso sussurro a dizer: eu amo você. Não, ele não ouvirá. Se você não gritar de sua torre ele não ouvirá. Se você não tirar as armaduras e correr a seu encontro ele passará porque ao contrário do que muitos dizem o amor se vai e se vai porque se modifica não porque termina, afinal o que temos e o que somos é amor - pena que ainda não aprendemos a relacionar com ele.
Meu conselho para o dia: se você ama alguém diga-o. Deixe-o saber. O "não" você já tem, quando deixa de verbalizar ele já esta presente, mas o "sim" pode ser uma grande surpresa, a melhor surpresa de sua vida...

Patrícia Prado

quinta-feira, novembro 29, 2012

Provocações



E você chega novamente.
Com as vestes da tormenta chega e tira tudo do lugar.
Tudo revirado novamente.
Suor, calor, torpor
As sensações também se misturam e o conhecido volta a ser desconhecido
Em pulsões que escorregam pela pele sempre a espera...
E você chega novamente.
Trazendo na bagagem imagens de uma cidade habitada pelo desejo e pelo não.
Imagens tristes e alegres que se mesclam em variados tons e sons.
E você chega novamente. E chegando vai deixando a marca da saudade enfeitada de apelos,
de desejos, de sussurros, de delírios, delírios de quem sabe que você chega para não ficar....

Patrícia Prado

quarta-feira, novembro 28, 2012

Reminiscências

E eu lhe beijaria novamente
como o mesmo ardor de antes
e com a diferença de que o medo não estaria mais presente
neste reviver de um tempo em que se foi feliz.

quarta-feira, novembro 14, 2012



Falar do totalmente Outro em categorias humanas, limitadas, frágeis.
Falar do totalmente Outro que transcendente a ótica das coisas visíveis e tangíveis.
Como falar deste totalmente Outro sem “rebaixa-lo” a ideia  humana de ser?
Falar do totalmente Outro. Preciso é?
Sim, preciso é falar do totalmente Outro, pois quando falo sobre Ele falo do que não sou e assim me vejo, me descubro me acho, mas ao mesmo tempo o perco, pois não existe linguagem que consiga abarcar toda a complexidade deste totalmente Outro.
Se tento apreende-lo na linguagem humana limito-o a ideia convencional e fragmentada, pois quando digo “casa”, por exemplo,  quantos  tipos de “casa” lhe vem a mente? E quando digo Deus?
O totalmente Outro, assim, se torna prisioneiro de minhas regras culturais, de minha construção gramatical, de meu contexto,  pois quando falo sobre Ele falo à partir do humano . A ideia sobre Deus se faz no dia a dia, nas relações, no chão da vida.
E assim, condenado pela limitação do pensamento o totalmente Outro se encontra entre os mais diversos conceitos de justiça, de paz, de misericórdia e tantos outros tornando a ideia sobre Ele volúvel, instável, na medida em que o ser humano vai vivenciando e adaptando sua forma de compreensão destas ações.
Mas se existe algo que talvez possa libertar o totalmente Outro de nossas convenções gramaticais seja o amor. O amor, que é sua força e ao mesmo tempo sua fraqueza  é a ação capaz de trazer e fazer o transcendente realmente imanente, realmente Deus.

sexta-feira, novembro 09, 2012

Quando as palavras fogem e só restam os pontos de interrogação, onde buscar a inspiração para continuar a vida? Porque as indagações tomaram o lugar das afirmações ou das exclamações! Onde se encontra a beleza da reticência, da continuidade, da infinitude do momento?
E quando as palavras fogem, quando não se encontra mais uma vírgula que seja, quando se chega nesse ponto, parece ser o final.
Mas, a vida parece não querer obedecer a essa regra gramatical, pois ela insiste ainda com a interrogação ou com um traço que dá início a um novo diálogo mesmo que seja com velhas e gastas palavras; velhos e pequenos intervalos, para quem sabe uma nova reflexão.
A vida com seus encantos e desencantos. A vida com sua força que teima quebrar regras, teorias, hierarquias, governos, principados, potestantes...Nessa dinâmica o ser, que se acha humano, percebe sua fragilidade, sua ignorância com relação a ela, a vida.
Tão pequena palavra VIDA mas com tanta potência! É por causa dela que a semente ainda germina; é desejando que ela continue viva que os corpos se unem, mesmo que se dêem outro nome a essa união; é por causa dela, da vida, que os seres humanos se desnudam se encontram se unem, se perpetuam em outras vidas. 

Mas até a palavra VIDA parece estar se perdendo nesse céu negro e coberto de sangue e lágrimas. A chuva que desce agora sobre os corpos humanos tem gosto de sal. O que nos aquece não é mais o calor amarelo de um sol límpido e puro mas o desejo frenético de possuir por possuir; de ter por ter; nada poético muito menos filosófico muito menos sentimental.
A relação com o homem é a mesma que se tem com o planeta: uso e consumo. Consumo e uso. Não se pensa no amanhã. Hedonismo puro. Puramente hedonistas. E assim, nos tornamos seres em preto e branco que transitam em meio a uma multidão. Que cega tateia em busca de um pouco de amor, de atenção de sentimento.
Deve ser por isso que as palavras se ausentaram. Sensíveis, elas preferiram se refugiar no recôndito da alma para não sofrerem o golpe da manipulação. É isso. As palavras fugiram porque sentem medo.
Medo da incompreensão; medo do uso desleal; medo da mentira; muito medo. Medo. E os medos as acorrentaram no saudosismo e as levaram a apenas rabiscar timidamente, em um traço fino, quase imperceptível, um futuro simples e sem muitas fábulas ou pensamentos perigosos.
As palavras se escondem e talvez seja difícil elas saírem desse lugar porque elas também temem se perder! Há tanto tempao vivendo sobre a penumbra teme que a luz que parece iluminar o outro lado do texto seja na verdade uma luz artificial que a qualquer momento pode se apagar ou morrer.
E assim, as palavras continuam intactas, protegidas por si mesma, envoltas em um broquel feito de medo e dúvida se permitindo apenas conviver com a fria e confusa interrogação.

Patrícia Prado


Não existe lugar onde a alma possa se esconder. Paredes e escudos servem apenas para aprisionar. Quanto mais se esconde menos se protege pois nossa essência é constituída da liberdade e essa só se manifesta quando se permite revelar, mostra, relacionar, ver e se deixar ver. Tenho aprendido que a vida deve ser contada a cada respirar. Não pelos anos acumulados pela contagem arbitraria de um calendário mas pela batida silenciosa do coração. A contagem real da vida esta ai. Quantas vezes bateu seu coração diante da vida? Quantas vezes bateu meu coração? Contemos e saberemos quanto de vida tivemos até aqui....

Patrícia Prado




Navegante de um mar chamado destino.
Seguindo para um porto ainda sem um nome definido, mas seguindo.
As velas trêmulas diante do salgado mar se faz
E as embarcações tombadas pelas tempestades revelam segredos de vidas guardadas em um mar.
Uma concha, uma ostra.
Um fino grão de areia capaz de produzir uma jóia de rara beleza
Pérolas. Produzidas pelo atrito, produzidas na lágrima da dor, pérolas.
O mar que navego produz tormentas mas produz também pérolas, de infinita beleza pérolas.
E assim navegante continuo sem destino por um mar chamado caminho.


Patrícia Prado

Uma observação importante

Dizem que quando mais amor você oferece mais você recebe. Bem, as vezes essa matemática nem sempre termina em números positivos.
Você já deve ter vivenciado situações onde se faz presente na vida do outro, estende a mão, dá cambalhotas, veste-se de palhaço e...nada! absolutamente nada de anormal acontece. E o que pensar então? Que a máxima do amor está errada? Que devemos nos fechar e pagar com a mesma moeda, afinal chumbo trocado não doí?!
Pensemos. A razão nessa hora é a melhor conselheira e ela nos diz que a vida não é uma soma perfeita ou um desenho geométrico exato. A vida é essa dinâmica maravilhosa que nos permite a cada novo dia reviver, reiventar nossa história, reescrever passos.E, então?
Não querem a mão que se estende? Ok. Outros com certeza agradecerão por ela.
Não conseguem lhe perceber? Uma pena, tanta coisa bacana você tinha prá contar! Mas...
Se oferecer amor tem-se como garantia o recebimento parece que esqueceram de registrar uma observação: Que ninguém é obrigado a gostar de ninguém e isso significa que você pode estar oferecendo amor a quem nunca conseguirá somar.

Patrícia Prado

Reflexos e Reflexões


Comecei a viajar, não tanto pelo desejo de fazer pesquisas etnográficas ou reportagens mas por necessidade de distanciar-me, de libertar-me e escapar do meio em que tinha vivido até então, cujos preconceitos e regras de conduta não me tornavam feliz.
Pierre Verger – 50 anos de fotografia

Estive na exposição de Pierre Verger e fiquei encantada com as fotos, objetos, histórias retradas a partir das lentes sensíveis desse homem que queria libertar-se dos preconceitos culturais que nos afastam dos homens. Entre as imagens e objetos ali expostos, uma sala em especial chamou-me a atenção. Uma sala decorada com espelhos. Foi impactante.
Os ambientes se completavam mas essa sala em especial não se unia a nada. Era bem diferente.
Minha primeira reação foi perguntar o porque de tantos espelhos. A pessoa que estava comigo achou uma resposta prática: para que todos possam ver refletido no espelho o vídeo que estava sendo mostrado na sala. Aceitei em um primeiro momento.
Hoje, porém, comecei a refletir sobre aquela sala e penso que seu significado vai além. Para que tantos reflexos se a imagem é uma só?
Os estudos sobre física nos diz que quando a luz incide em uma superfície plana ocorre uma reflexão dessa luz que formará uma imagem. Em corpos cuja superfície são rugosas ou irregulares não há formação de imagem, pois esses corpos refletem apenas sua própria forma, textura e cor.
Mas como essa imagem nos é mostrada? Como a percebemos em nosso consciente? A reflexão dos feixes de luz nos leva ao que podemos chamar de "ilusão de ótica". Vemos uma imagem em tamanho real, com a mesma forma mas que parece encontrar-se atrás do espelho, invertida.
A imagem que vemos não é real. A imagem que reflete é apenas uma ilusão, uma caricatura do verdadeiro Self.
Os espelhos que a refletem são os mesmos, planos, lisos, produzem a mesma imagem, mas os olhos que contemplam a vêem diferente.
Se há uma regra para a formação dessa imagem porque ela se reflete de forma diferente para cada observador? Seria o ângulo de incidência que provocaria essa distorção? Seria a percepção do observador? O que transforma uma imagem? O que faz uma imagem deixar de ser real? O que vemos é o real?
Perguntas, perguntas, sempre perguntas. Passaremos nossa vida a nos perguntar o que é real, o que é verdadeiro, o que vale a pena. Alguns encontrarão a resposta naquilo que lhe apraz outros viverão a agonia da indecisão, outros se alienarão. A verdade é que estamos buscando o que é
real no outro, não sei se encontraremos.
As máscaras parecem ser mais atrativas que a revelação da verdade. Encenar no palco da vida é a grande atração do século. Esconder-se atrás de personagens gerados pelas neuroses que criamos é a forma que encontramos de sobreviver. Nos perdemos.
É preciso quebrar os espelhos. A imagem não é real. Mas se os espelhos se quebrarem como me verei?
Voltemos ao lago onde Narciso está. Vejamos nossa imagem refletida na água onde os raios incidentes formam uma imagem a partir de luminosidade que parte do corpo. Deixemos que a luz que irradia de nossa alma forme a imagem real, a imagem de nosso ser.
Essa sim é uma imagem que vale a pena ser refletida por vários espelhos.
Patrícia Prado
p.s. Texto produzido em outubro de 2005, ano da exposição
Fragmentos de uma verdade
I

Queria que tivéssemos nos encontrado em outro tempo

Um tempo onde a coragem e a ousadia fossem não apenas meras palavras

Mas fosse força, potência de ser.


Queria subir a mais alta montanha somente para gritar o seu nome

E com o meu eco trazer a existência sua presença em vôos abertos e profundos

Em uma dança sintonizada com o desejo.


Queria eternizar o seu beijo que vagueia nos calabouços frios de uma memória efêmera

E com isso ter o poder de não apenas recordar, mas sentir, viver

Mais uma vez, e outra vez e tantas outras vezes.


E eu queria tanta coisa com você!

Mas o tempo que vivemos é pequeno demais, egoísta demais, coercivo demais

Deixando apenas o desejo de um querer demais em mim.


Patrícia Prado

Grandes verdades se escondem atrás de pequenas metáforas.

quinta-feira, novembro 08, 2012

Fragmento de uma verdade
II
Eu te deixarei. Como alguém que bate a porta e não olha mais, eu te deixarei.
Te deixarei porque nunca estivestes aqui,
Nunca fostes meu e eu nunca serei tua
Então, o melhor é te deixar.
Antes que o amor vire tormento;
Antes que o desejo se torne loucura;
Antes que a falta leve a solidão;
Por isso te deixarei.

Te deixarei sem lhe dizer adeus.
Sem lhe deixar um bilhete contando a partida,
Sem uma foto de recordação.
E quem sabe, talvez um dia, perceba a minha não presença
E essa, traga-lhe a memória de que um dia estive muito próxima a ti
E você não percebeu, por isso eu te deixarei.
Patrícia Prado
Fragmentos de uma verdade
III
- É só uma febre, vai passar.
Disse ela para si mesma.
Dessas febres que surgem em noites de tempestade;
Dessas que pelo menos um vez na vida todos passam,
Era acometida a pobre moça desse mal que a atormentava.
Nenhum remédio da Botica trouxe a cura para esse mal;
Nenhum chá antigo também.
- É que essa febre, respondia sua razão, não se cura com qualquer remédio.
Isso é febre de amor e só há um jeito de se curar:
com um outro amor...
Patrícia Prado